Um dia feliz na vida dos homens

Ontem tive um pesadelo.Nele, eu andava por minha casa, entrava em minha biblioteca, e notava: quase todos os livros eram escritos por mulheres. Dom Quixote havia sido escrito por uma espanhola. Em busca do tempo perdido por uma francesa. Na prateleira de peças de Teatro, destacava-se as obras completas do maior dramaturgo de todos os tempos. Uma mulher inglesa chamada Mary Shakespeare. Na prateleira de livros teóricos de Física, Engenharia, Medicina e Direito, apenas livros escritos por mulheres. Elas eram as maiores, quando não únicas, autoridades no assunto.
Nós, homens  escreviamos também. Éramos cientistas também. Mas o mercado nunca se interessou por nosso trabalho. O que interessava ao mercado é que tivéssemos ou em casa cuidado da família ou em bordéis, servindo às mulheres.Música. Coloquei para ouvir um disco de uma cantora chamada Carolina Buarque de Hollanda. A cantora que havia “desvendado a alma masculina”. A que, “mais até do que os próprios homens, compreendia a misteriosa alma masculina.”.  Havia um consenso de que os homens eram complicados, misteriosos, meio loucos. “Homens de fases”. Já as mulheres, não. As mulheres eram admiráveis, simples, objetivas e focadas. Os homens eram confusos. As mulheres tinham a razão.Liguei a TV. Estava na hora do jornal de esportes. Notícias sobre os grandes ídolos esportivos no futebol e no basquete etc. Todas eram mulheres. A nação tensa, Brazil rezava pela operação de uma atleta de futebol, às vésperas da Copa do Mundo de futebol feminino.Em seguida, começou o jornal de notícias gerais. A notícia principal era a divulgação da lista de pessoas mais ricas do mundo. Todas mulheres. As mulheres eram donas de todas as fábricas de carros, de TVs, CEOs das corporações que ditavam destino econômico do mundo, matriarcas das famílias mais influente e poderosas. Eram as mulheres também as grandes proprietárias de terras, de todos os veículos de comunicação e maioria em todos os senados do mundo. À tarde, fui ao cinema. Em cartaz, apenas filmes dirigidos e produzidos por mulheres – as chefes da indústria do entretenimento. Na volta do cinema, andando na rua, com roupa estilosa, insinuante, porque me acho bonito e acho que tenho direito de exibir meu corpo do modo que quiser, recebi um monte de cantada de mulher. Uma mais invasiva que a outra. Todos os ônibus da cidade eram guiados por mulheres. Uma delas, quando passei, gritou da janela: “gostoso!”. As várias outras mulheres em volta, riram.Virando a esquina, me interessei por um sujeito que atravessava a rua a gritei para ele em voz alta: “Gostoso!” – todos na rua me olharam atravessado. Censurando minha atitude, me olharam, homens e mulheres, como eu fosse um devasso. “Assim você não vai encontrar nenhuma mulher que queira casar com você, rapaz.” – Me disse um senhor na calçada.Horrorizado, fui postar uma foto minha no Instagram. Na foto estava bonito, esbelto, corpo sarado, sorridente. Sou filósofo, mestre em letras, bom amigo, espirituoso, bom de papo, confiável, íntegro, honesto. Mas todos os comentários só diziam apenas coisas como: “Muso”, “Lindo”, “Deuso”, “Poderoso”, “Pisa que dóis menos”. Um amigo negro, gordo e a pessoa mais brilhante, mestra, inteligente e sensível que conheço, postava fotos suas em redes sociais, frequentava o Tinder com frequência, mas praticamente nenhuma mulher se interessava por ele. Mesmo sendo ele, repito a pessoa mais brilhante, mestra, inteligente, e sensível que conheço. Ele daria o melhor companheiro, o melhor amante. Mas não conseguia, repito para dar ênfase ao absurdo, despertar o interresse de nenhuma mulher. Enquanto isso, as mulheres, de todas as idades e aparências, faziam sucesso com homens nas redes sociais postando fotos sem sequer maquiar-se. Postavam seus projetos, feitos, vitórias, e pensatas sobre o mundo. Nos comentários de suas postagens escreviam: “Brilhante!”, “Mestra!”, “Inteligente!”, “Sensível!”.Cheguei, então à única conclusão possível. Mulheres são melhores que homens em tudo. São melhores líderes, melhores empresárias, melhores escritoras, melhores diretoras, produtoras e motoristas. E desta conclusão veio outra: a de que para salvar minha vida medíocre de ser inferior, coadjuvante, eu precisava casar. Precisava de uma mulher e um filha.  Providenciei, então, eu mesmo, um encontro romântico com uma mulher. Cheguei ao encontro e a pretendente, vestida apenas de camiseta e jeans, cabelos grisalhos e desgrenhados, sovacos sem depilação, me viu usando bermudas folgadas (são confortabilíssimas e eu acho que tenho direito a conforto) e imediatamente deu um escândalo: “Você não está com as pernas d-e-p-i-l-a-d-a-s?!?”. Em seguida, fugiu correndo do restaurante.Inconformado, fui me informar. Descobri que outros homens também haviam descoberto que, como eu, não tinham o direito de, por exemplo, ter o conforto de ir a um encontro com uma bermuda folgada, e sem depilar as pernas. Homens inconformados com nossa situação que, além de tudo, consistia em ganhar muito menos no mercado de trabalho do que as mulheres ganhavam. Mesmo sendo nós, quando crianças e adolescentes, os melhores alunos do colégio, os mais dedicados e concentrados, enquanto as meninas só queriam saber brincar brigar e bater umas com as outras no recreio. No mercado de trabalho, nada disso contava. Os homens que haviam se unido para fazer algo contra tudo isso eram chamados de vitimistas e “mimizentos”.Mesmo após o G1 fazer um levantamento e constatar que, só no Brasil, o número de homicídios dolosos de mulheres contra homens cresceu em relação ao ano passado. Que hoje, 12 homens por dia são assassinados por mulheres. Resignado por obrigação (por dentro estava revoltadíssimo), voltei para a casa e resolvi aderir àquele mundo absurdo. Tomei um banho, me depilei todo, virilha cavada, passei creme no rosto, no corpo, gastei quase mil reais no salão para deixar o cabelo legal, coloquei minha roupa, no total horas de preparo, e fui para uma festa em um lugar legal.Resolvi fazer o caminho à pé. Dois, três quarteirões. No primeiro beco escuro, fui abordado por três mulheres. Elas me seguraram, me taparam a boca para não gritar, me bateram muito, me colocaram de bruços e me estupraram com os dedos. Não prestei queixa porque sabia que, na delegacia, seria também humilhada e os estupradores nunca punidos.No dia seguinte, o crime saiu no noticiário. Todos os comentários de um portal de internet eram de mulheres escrevendo que eu tive o que mereci. Que eu era o culpado por andar sozinha pela cidade onde pago imposto e por estar vestido, maquiado e penteado de modo “insinuante”. Que “eu praticamente pedi para ser estuprado”.Decidi então calar meus desejos, casar-me e constituir família. Certo de calar meus desejos era calar quem eu era.Certo que calar quem eu era significava ser apenas o que as mulheres querem e precisam que nós, homens, sejamos. Elas, donas do mundo que construíram com base na humilhação e violência contra os homens, do mundo que construíram calando os homens.Mundo construído para, calados, não existirmos. E não existir, logo, nenhum homem existir de fato e sim ser apenas um objeto planejado e mantido a violência e sangue por mulheres, era um absurdo inominável. E foi nesse momento que percebi que todo aquele absurdo não poderia ser real. Só poderia ser um pesadelo. O mundo real não iria tolerar tamanha e tão clara injustiça. Tamanha e tão clara monstruosidade.E então, acordei.E aliviado, sorri.Abri os olhos, olhei em volta e vi que vida seguia mansa, tranquila e fácil.  Nada havia mudado.Eu havia despertado para mais um dia.Mais um dia feliz na vida de um homem.

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