Falha de Cobertura

“Tem que acabar a justiça!”, “Quem tá na rua de madrugada tá procurando confusão!”, “Ambiente de música é ambiente de droga!”, “É tudo uma conspiração de grupos internacionais!”, “Os americanos são verdadeiros patriotas! O Brasil é que é uma bagunça!”Parecem frases retiradas de comentários de portais de notícia. Mas são petardos disparados pelos personagens criados pelos humoristas Caito Mainier e Daniel Furlan, que após a consagração na internet brilharam na cobertura que o Sportv fez das Olimpíadas de Inverno de PyeongChang, encerrados na semana passada.Muito se fala, e muito se teme o fenômeno de comentaristas de portal. Conservadores, incultos, misóginos, preconceituosos e intolerantes, eles seriam e representariam o brasileiro que não gostaríamos de ser. O povo que não gostaríamos de ser. A voz que a internet dá a “qualquer um” teria revelado que não somos, na verdade, o povo que um dia salvaria o mundo com sua alegria e tolerância. Não nos imaginávamos tão selvagens. Tão feios. E desanimamos.Mas Daniel e Caito perceberam que conservadores incultos, misóginos, preconceituosos e intolerantes são, acima de tudo, patéticos. E, como tudo o que é patético, muito engraçados. E então criaram personagens que são paródias do patético inculto conservador. E passaram a fazer as pessoas rirem disso.Só ao fim da 2ª Guerra Mundial é que fomos nos dar conta de que Benito Mussolini era tosco e engraçado. Hoje, reconhecemos em tempo real a tosquice e a consequente graça de Donald Trump e Kim Jong-un. Rir de algo tão violento, desumano e, por isso, criminoso, é a vacina mais eficaz contra a praga do inculto conservador. Ter visto, durante a corbertura dos jogos de PyeongChang, os personagens Cerginho da Pereira Nunes e Craque Daniel tocarem o programa Falha de Cobertura, uma paródia de mesa redonda de esportes, fora da Internet, em um grande veículo de comunicação, aponta para uma uma certa vontade da TV em estar atentas aos produtos contraculturais que aparecem na rede.A Internet é conservadora, porque livre. O pensamento conservador é o raciocínio humano em seu estágio primitivo. O Homem das Cavernas era conservador. Evoluímos. Mas o Homem das Cavernas ainda é maioria.  Os personagens do Caito e Furlan são preconceituosos, mal informados e alienados. São contra ciclovias, ciências humanas e vocabulários ricos.  Escancarando essa alienação, escancarando como é feio e tosco (e engraçado) ter opiniões medievais, alienar-se em um país onde a desigualdade social, e ano de eleição, e fazer tudo isso despretensiosamente, os dois operam um milagre: conseguem falar diretamente com o público conservador, que também adoram os personagens, sem desconfiar que se trata de uma tiração de onda com este público.Política, discordo com o competente e talentoso Thiago Leifert, não só combina com o esporte, como o potencializa. “Esporte sem partido” é como “Escola sem partido”: pura alienação. Que tem como consequência (ela, a alienação) a miséria na qual vivemos.Furlan e Caito (e seus não menos talentosos colegas do canal TV Quase) nos lembraram, na estreia de Falha de Cobertura na TV, que é isso e muito mais: Esporte combina, e se engrandece, não só com política. Mas também com humor.
Forte abraço!

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