O carnaval é invencível


Desfile da Beija-Flor (Foto: Alexandre Durão/G1)
 
Tudo nessa vida, apenas parece. Não é só o que aparenta à primeira vista.
 
E o carnaval, festa de máscaras e fantasias, é a festa onde parecer o que não é torna-se liberado.
 
É por isso que, humanos que somos, loucos para não parecer o que de fato somos, amamos tanto o carnaval.
 
No carnaval 2018, no Brasil sob o governo de um vice fantasiado de presidente, de um bispo fantasiado de prefeito, o carnaval foi recebido com apreensão.
 
Os dias de folia, do império das máscaras, poderiam revelá-los.
 
Tentaram sabotar o carnaval. Não conseguiram. O carnaval é invencível. E tudo o que apenas parece ser revelou-se nos últimos e preciosos dias.
 
Bastou, por exemplo, a Zona Sul do Rio de Janeiro ter seus dias de Cidade de Deus que nossa elite decretou, sempre no conforto de suas casas, pelas redes sociais, que “O Rio de Janeiro acabou”. Que “O Rio de Janeiro perdeu para os Bandidos”.
 
Enquanto isso, na madrugada desta terça-feira, frequentaram um baile de carnaval na Sociedade Hípica Brasileira, com ingressos a preço que 90% da população não pode comprar. Um baile de carnaval chique, com nome estrangeiro. “Mardis Gras”, dizia a propaganda do evento.
 
O Rio de Janeiro nunca irá “acabar” para quem tem dinheiro. E para os pobres, a cidade, na verdade, para além das aparências, ainda nem “começou”.
 
Os novos blocos de rua foram progressistas, gritaram “Fora Temer” (esse refrão esvaziado, dito mais para aliviar a própria consciência do que fazer algo de fato a respeito), “lacraram”, desfilaram nus. Mas não se via pretos nem pobres nestes blocos. Tampouco geram empregos para pretos e pobres. 
 
Os novos blocos de rua apenas parecem ser algo popular. Essa é sua máscara. Mas, para além das aparências, é carnaval de classe média branca. 
 
O carnaval do povo ainda se dá na Marquês de Sapucaí. Não é para o povo. Mas pelo povo. São as escolas que dão emprego a artesãos que nunca terão grana para estudar na Escola de Artes do Parque Laje. É pela escola que milhões de pobres da cidade tiram seu sustento, entre ensaios, feijoadas e eventos.
 
O carnaval do povo se deu na Sapucaí já no sábado, com o vigoroso e pouco visto desfile da Acadêmicos do Cubango e, principalmente, na Av. Intendente Magalhães, onde escolas pequeninas, como a Império Ricardense, desfilaram com garra e sem dinheiro algum de nosso prefeito mascarado. É a pequena agremiação do orgulhoso e atento bairro de Ricardo de Albuquerque.
 
Assim como as pessoas apenas aparentam conhecer Ricardo de Albuquerque, também não haviam ouvido falar do Paraíso do Tuiutí.
 
E foi assim que a Sapucaí assistiu, no domingo, supresa, ao desfile que já entrou para a história do carnaval. Talvez história do país. Fazer dos paneleiros piada foi adiantar o que os livros de História só iriam relatar em 20 anos. Fazer piada de gente que, por trás da máscara, era “contra a corrupção, por Deus e pela Família” – fala proferida durante os votos de Impeachment de Dilma Rousseff por deputados que apenas aparentavam. Nos meses que se seguiram foram flagrados cometendo crimes maiores do que acusavam.
 
E foi assim que a Beija-flor conseguiu mais um de seus títulos revolucionários. Um ano atrás, o diretor da escola, Laíla, tomou uma decisão ousadíssima: demitiu toda a comissão de carnaval, responsável pela escola há 20 anos. Fez o equivalente a dissolver o Congresso.
 
E partiu para o discurso perigoso da “revolta contra tudo”. Se por um lado a Beija-flor exibiu carros e mensagens a favor do desarmamento, por outro reforçou esteriótipos ao retratar assaltos e roubos na cidade usando exclusivamente negros para o papel. 
 
A Beija-flor de Nilópolis também apenas aparentou ser. 
 
Agora é quarta-feira de cinzas. 
 
Fim de um carnaval que mais revelou do que escondeu. Que evidenciou máscaras e fantasias. Alegorias e adereços.
 
Tentou-se vencer o carnaval. Estigmatizar a folia. Dizê-la ser desnecessária e inapropriada para momentos de crise.
 
Mas o carnaval, essa festa mascarada de reflexão, essa festa que no fundo é pura reflexão, é inexorável.
 
O carnaval é invencível.

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