Um feriado inútil?

Queremos de fato reverter a situação do negro no Brasil?  
 
Mais, um feriado é o bastante para que se reflita e se conscientize a respeito da questão do negro no Brasil?
 
Espalhadas pelo mundo, as datas de consciência são dias de contrição. Feriados onde somos liberados do trabalho por conta, na teoria, de um objetivo claro: pararmos tudo o que estamos fazendo, lamentarmos e refletirmos. 
 
Como no Yom Hashoá, ou “Dia da Lembrança do Holocausto”, onde em todas as cidades de Israel uma sirene observa dois minutos de silêncio, e todos os cidadãos simplesmente param tudo o que estão fazendo para refletir sobre os seis milhões de mortos pelos nazistas. 
 
Carros param no meio da rua. Pedestres, faxineiros, donos de banco, traficantes de droga, professores de matemática, crianças no parquinho, um casal de amantes na cama. Todos param tudo. E refletem severamente sobre si mesmos.
 
Como deixamos isso acontecer? Como o ser humano foi capaz de tal monstruosidade? O que fazer para reverter os danos? O que fazer para que não se aconteça nunca mais?
 
O Brasil é filho de um Holocausto. O maior porto escravagista da história da humanidade fica no Rio de Janeiro. Foram, aqui, mortos tantos negros quanto no Holocausto judeu. 
 
Com uma diferença. Aqui, o holocausto não cessou. Negros representam 71% das vítimas de homicídios no país. Mulheres negras representam 82% das mulheres estupradas em 2016, negros são a minoria nas universidades e cargo de chefia em todos os setores da economia e maioria em presídios, instituições mentais, casas de correção para menores. 
 
E são estes números que justificam haver um dia da consciência negra e não o da consciência branca, ou asiática, no Brasil.
 
O mesmo motivo, pelo qual também não existe, em Israel, um da da consciência branca e sim, o da judaica. 
 
Por ser o branco maioria nas universidades e cargos de chefia. Por ser o branco a minoria em presídios e entre pedintes de rua.
 
Não se reservam feriados para quem nasce privilegiado. 
 
Somos muitos os racistas no país. O que está fazendo um racista no feriado da consciência negra? Curtindo na praia? Descansando, assistindo a um filme? Uma coisa é certa: pensando em tudo, menos na questão do negro no Brasil. Na questão do racismo no Brasil. Refletindo a seu próprio respeito?
 
Talvez o Brasil não precisasse sequer de um feriado. E sim de dois minutos de contrição. Uma sirene. Uma paralisação. Um silêncio. Uma reflexão feita coletivamente, por toda a nação. 
 
Dois minutos disso já seria revolucionário.
 
24h de feriado talvez não. 
 
Enquanto isso, negros sofrem 24h e 365 dias de contrição. São obrigados a pensar nas consequências do holocausto brasileiro a cada momento. Toda vez que pensam em pedir um aumento na firma, toda a vez que são parados em uma blitz.
 
O negro vive em alerta.
 
Já convive, desde que nasce, com sirenes paralisantes.
 
É urgente que essa experiência aterrorizante seja vivida pela sociedade brasileira de forma coletiva e radical.
 
Que seja sentido por todos a real dimensão do horror da situação do negro no Brasil. Da real dimensão de nosso papel neste horror. 
 
Só então, radicalmente imersos em nosso pior, poderemos, algum dia, reverter esta situação.
 
E como toda a questão é um labirinto circular. Mas um falso labirinto.
 
E um verdadeiro círculo.
 
Porque trata-se de um labirinto facílimo de encontrar a saída.
 
A saída de toda a questão está na pergunta que volta, circular: 
 
Queremos de fato reverter a situação do negro no Brasil?

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