Todos estão surdos?

Nem bullying, nem fake news, nem democracia. Tampouco nova configuração de família, desemprego ou meio ambiente. O tema da redação do Enem, este ano, foi “Desafio para a formação educacional de surdos no Brasil.”
 
Como metáfora, não se poderia haver escolhido um tema melhor. Mais atual, contemporãneo e fiel ao que vivemos este ano.
 
2017 foi o ano em que todos os brasileiros ficaram surdos.
 
Definitivamente pararam de escutar uns aos outros. 
 
2017 foi o ano em que optamos por gritar nossas opiniões em um volume que nos impossibilite ouvir. 
 
2017 foi o ano em que passamos a considerar nossa opinião a única opinião considerável.
 
O ano em que decidimos tornarmo-nos surdos para as opiniões opostas.
 
Tornar nosso interlocutor um inimigo. 
 
O nosso inimigo inaudível.
 
Porque nada mais conveniente do que um inimigo inaudível. Um culpado externo por tudo o de péssimo que a nós acontece.
 
Mas há por trás uma conveniência ainda maior.
 
A verdade é que não nos tornamos surdos. Não completamente.
 
Nos tornamos algo ainda mais conveniente. E covarde. 
 
Tornamo-nos surdos seletivos.
 
Ouvimos apenas os que concordam conosco.
 
E assim, isolados, no conforto de nossas conveniências, nos transformamos numa espécie abjeta de falsos surdos.
 
Brasileiros que na verdade ofendem os que de fato possuem deficiência auditiva.
 
Os surdos de fato não nos merecem.  
 
Eles assistem o triste espetáculo do desafio de educar e formar gente que, agraciada com saúde nos ouvidos, resolveu fingir-se surda para não dialogar com as contradições e ambiguidades de si e do mundo.  
 
Os surdos assistem o triste espetáculo dos verdadeiros deficientes.

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