Oscar pode repetir vexame de 2006

Lembram-se de “Crash”, de Paul Higgs, vencedor do Oscar de melhor filme 2006 em cima de de “O Segredo de Brokeback Mountain”?Pois é, nem eu.Mas a academia não esquece. Hoje, é um consenso entre público, crítica e mercado, que o maior da vasta coleção de vexames causados pelos votantes da academia americana de cinema foi ter laureado o drama socio-racial passado na Los Angeles contemporãnea a apostar na coragem do romance entre cowboys gays que entraria para a história no cinema.Às vezes, aparecem filmes assim, como “Crash”, aparentemente bem intencionados, mas que, na prática, se propõem a amenizar as culpas e neuroses de privilegiados. Na prática, reforçam estereótipos, dão passos atrás em termo de conquistas de minorias, e querem, no fundo, manter privilégios via expiação dessas culpas e neuroses.O “Crash” deste ano é o super premiado “Três Anúncios para um Crime”, escrito e dirigido pelo dramaturgo inglês Martin McDonagh.Como “Crash”, “Três Anúncios…” conta com uma jornada de redenção de um policial violento e racista, interpretado com notável ardor por Sam Rockwell, outro que vem colecionando prêmios. O poeta americano Hanif Abdurraqib, vaticinou: “Três anúncios para um crime é um filme feito para as pessoas sentirem-se melhor com o racismo dos membros da sua família”.Ele argumenta que a questão racial, no filme, não tem função na trama. Ser racista não é uma característica que ajude na construção do personagem ou da trama. Está ali de forma gratuita.A escritora Leah Hampton fez uma longa lista de erros do filme de Martin McDonagh. Os personagens negros do filme, nota ela, são os únicos unidimensionais no filme, em que fica clara a preocupação do autor em atribuir complexidade e profundidade a seus personagens. Os personagens negros, só existem para fazer viradas de roteiro. Leah Hampton também cita a questão da violência doméstica no filme, tratada de forma também secundária, como fosse um problema menor a qualquer outro no filme. Roteiristas homens.Cenas com CGI tosco e interferência Deus ex Machina completam a lista da escritora. Mas há mais.Os maravilhosos atores que receberam papéis multidimensionais (ou seja, os atores brancos), deitam e rolam, mas não sabem o que fazer quando o filme, em sua metade, perde o tom e se transforma em uma peça de redenção da humanidade, pelo fim da violência… entre brancos. Independente da vontade dos eleitores da academia americana, “Corra!”, o filme de Jordan Peele, já entrou para a história do cinema. Se não levar melhor filme, entra para o clube no qual estão Stanley Kubrick e Hitchcock, nunca premiados com Oscar nessa categoria.No fim do ano passado, o autor de “Corra!” tuitou uma brincadeira com fundo seríssimo. Escreveu: “Corra! É um documentário.”Se fosse um documentário, sua continuação seria a história de um dos sobreviventes da família branca que, no filme original, é bem intencionada, liberal, votaria no Obama uma terceira vez mas sequestra negros para substituir seus cérebros por cérebros de homens brancos. Esse sobrevivente acaba se tornando um dramaturgo e anos depois escreve e dirige um filme chamado “Três Anúncios para um crime”.Mas relaxemos. Se “Três anúncios para um crime” levar o Oscar de melhor filme hoje à noite, perpetua e confirma a tese de “Corra!”.E é por isso que “Corra!”, o filme que veio mudar a indústria, não é um documentário.É muito mais.”Corra!” é um documento.

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