Felipe Hirsch acústico

O título deste texto é um capricho meu. Sempre me fascinou uma notícia com o seguinte título, impressa na terceira página do Diário do Paraná do dia 02 de abril de 1964, enquanto se dava o golpe militar: “Pássaros oferecem perigo à rede elétrica do estado.” 
 
O mundo desabando e aquela notícia querendo falar de pássaros. 
 
Aquela notícia me fascinava porque mostrava a insistência na existência das pequenas coisas do mundo, apesar da imponência das coisas grandiosas. Se estava havendo um golpe militar, também pássaros voavam, e aquela notícia ali mostrava que, na verdade, nada é discosciável. A vida, entre coisas grandiosas e pequenas, continua igual.
 
E tudo o que acontece, já aconteceu antes e acontecerá novamente.
 
Felipe  Hirsch é um realizador conhecido por seu som e fúria, por sua habilidade com temas grandiosos. Já fez literalmente chover no palco, com a peça Avenida Dropsie, e recentemente realizou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, sua Tragédia e Comédia Latino-americana, com uma montanha de sacos pretos de lixo no palco gritando diagnósticos precisos sobre “tudo o que está aí”.
 
Agora, no meio de “tudo o que está aí”, se dá sua volta ao cinema, com “Severina”, uma história sobre um livreiro e uma moça misteriosa que gosta muito de livros. “Só” isso. Ao invés da microfonia habitual, temos um Felipe Hirsch acústico. Unplugged. 
 
Desplugado do mundo? Não. Severina se passa em uma livraria do bairro antigo de Montevideo, Uruguai. A ação se passa praticamente inteira entre prateleiras com livros velhos e antigos, deste que quando lidos, nos ensinam que tudo já aconteceu antes e acontecerá novamente. A própria trama, muito fiel ao livro de Rodrigo Rey Rosa, parece dizer isso também. Por isso, a volta Severina é uma obra definitivamente plugadíssima.
 
Estranhamos, trama, personagens, atitudes e edição, porque nos apegamos ao grandioso. Como se barcos menores não fossem capazes de percorrer as mesmas travessias que Titanics. Para nós, então, embarcar na proposta de Felipe nos abre a cabeça, nos trata como maduros, nos conforta e nos fortalece para a briga aqui fora.
 
Porque entrar no cinema para ver seu “Severina”, é muito como parar em uma hospedaria no meio de uma tempestade, e lá dentro ser recebido com afeto, um teto, roupas quentes e comida. 
 
Um acústico que reverbera para fortalecer nossas estruturas. Para energizar quem está liquefeito, dar coragem aos assustados, e senso a quem está a ponto de perdê-lo.
 
Um sofá para um pernoite, necessário para vôos que nos chamam a gloriosa missão de oferecer perigo à rede pública do estado.

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